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domingo, 30 de junho de 2013

Sobre as manifestações e o governo.




Estamos numa espécie de quarta-feira de cinzas dos movimentos e manifestações que tomaram conta do Brasil por quase duas semanas. Talvez seja a hora de começarmos a tentar entender um pouco o ocorrido, e embora não seja tão pretensioso a ponto de tentar encaixar uma compressão, uma Teoria do Tudo Político das Últimas Semanas, gostaria de dar minha opinião, com base em tudo que vi, vivi e li.

Antes de entrar no objeto dessa análise, quero delimitar um pouco o assunto. Não falarei aqui das infiltrações conservadoras, nem (pelo menos diretamente) da manipulação midiática ou do cheiro de golpe que muitos sentiram. Quero, na verdade, fazer um ensaio crítico sobre os acontecimentos, focando na vontade das ruas e nas atitudes do governo. Claro, em dado momento a pauta foi sequestrada por grupelhos de direita e extrema-direita, por parte de uma classe média completamente retrógrada e acéfala, mas isso é fácil de se notar. Eu me refiro a população mesmo, que deu apoio majoritário às manifestações (Ainda que não saibam bem sobre do que se tratava). Parece óbvio, também, que essa classe média preconceituosa e imbecilizada não teria espinha nem mobilização para fazer essas manifestações. Já havia ensaiado com movimentos como “Cansei”  e a “Marcha contra a Corrupção”, mas por falta de visão política e confiança popular, nunca deu em nada.

Então por quê isso aconteceu agora? Qual a razão de, agora, termos essa manifestações todas?

Li muitos ensaios sobre o assunto, inclusive artigos internacionais, e alguns autores me pareceram mais próximos do que eu penso ser a verdade (como Boaventura e Safatle).

Para tentar explicar isso que eu penso, vou começar por uma análise histórica:

A primeira eleição de FHC se deu sob os louros do Plano Real (irrelevante, nesse caso se ele era o pai ou não do plano, ele tornou-se o pai da idéia no imaginário popular), vínhamos de amargas lembranças da hiperinflação, dos governos Sarney e Collor e FHC tinha essa bandeira dourada que era o Plano Real. E essa foi a única bandeira, que ele jogou na nossa cara durante 4 anos. Nada fez além de balançá-la na nossa frente quando alguém questionava, por exemplo, sua atuação no campo social. Seu governo começou a fazer água, por pura incompetência, e ganhou sua segunda eleição, cercado de denúncias de corrupção e clara incompetência econômica e política. Sua bandeira para ganhar a eleição foi, novamente, o Plano Real, imorredouro. A alternativa trazia o medo de acabar com a única conquista de seu governo que valia a pena, a estabilidade econômica do Plano Real. E assim ele venceu, mais pelo medo do que pela esperança.

Seu segundo mandato apenas agravou a crise econômica, moral e social do país. Ficou claro que o Plano Real já era algo distante, algo consolidado e já não mais poderia ser usado como bandeira. O PT se fortalecera nas lutas sociais, nas ruas, nas críticas ao ‘outro lado’ do Plano Real, na quase intocada exclusão social, no desemprego, na inflação que voltava a ter patamares preocupantes (muito embora a grande mídia tudo embaçasse). Lula fez a famosa Carta ao Povo Brasileiro, em que se comprometia a não fazer reformas profundas na economia, preservando o Plano Real. Bingo! Era isso que o povo queria. Estava cansado, havia 8 anos que não havia nenhuma novidade no campo social, a saúde, segurança, educação estavam destruídos, sucateados. O povo queria, de fato, mais. O dragão da inflação estava conquistado. E o povo estava cansado do argumento imortal do Plano Real. O medo diminuíra e a esperança de acabarmos com o arrocho, com a exclusão social, de haver um diálogo mais amplo com a sociedade e com as camadas mais pobres tornou-se uma clara bandeira.

Lula venceu por conta do cansaço e desgaste do Plano Real e a falta de alternativas sociais do governo anterior. Como tudo na criação evolui, as demandas populares também evoluíram. O povo queria mais. Por isso, 8 anos de nada trouxeram o esgotamento do “casamento” entre o povo e o Plano Real. Descobriu-se que, apesar do Plano Real, problemas sociais seríssimos não só continuavam, mas se agravavam. Todo o esforço da mídia não foi o bastante para segurar a “revolta” popular, democrática, que levou Lula ao Palácio do Planalto.

Com todo o respeito ao Lula, com a terra devastada encontrada, a economia em frangalhos, não foi difícil fazer sucesso. Lula não lançou um “Plano Real”. Lançou vários: Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, PRoUni, FIEES, PIBÃO, PAC, etc... Todos esses programas, a maioria de cunho social, tiveram um impacto estrondoso na economia, mas, principalmente, na alma dos brasileiros. Lula era o “cara”. Durante seu governo, nos 4 primeiros anos, nem mesmo a agressiva mídia conseguiu lutar contra a realidade. Lula era um baú de boas notícias para o povo.



Sentia-se claramente o Brasil avançando. O diálogo social, com o MST e tantos outros movimentos aumentou. Adicionado seu incomparável carisma com os fartos resultados sociais e competência administrativa, econômica e política e pronto. O segundo mandato foi facilmente conquistado, apesar das baterias midiáticas. E o povo sentiu que o segundo mandato continuou com as conquistas os diálogos sociais. Na verdade o segundo mandato teve ainda mais novidades, continuando tudo que houve no primeiro e adicionando mais e mais conquistas. O PIBÃO veio aí, no segundo mandato, de fato. Resultado: Emplacou seu primeiro “poste”, a Dilma Rousseff.

Dilma ganhou a eleição como a mãe do PAC. Mulher inteligente, dura mas ligada as raízes lulistas, mereceu toda a confiança do povo brasileiro, e por boa parte de seu segundo mandato teve uma aprovação até maior que do Lula. Parecia novela da Globo, que entrega o Ibope em alta pro segundo programa... A oposição estava esfacelada (tanto a partidária como a midiática). E aí, aí a coisa desgringolou...

Dilma não têm a mesma facilidade de diálogo que o Lula, principalmente com os movimentos sociais. Abortou-se o diálogo, quase que completamente, com as bases do partido, e o PT ficou anestesiado. Fisiologismos não seriam mais perdoados, pois não se via mais as “novidades”  sociais. Ao contrário, vimos índios serem mortos, Ministro da Justiça apoiar ação truculenta da Polícia. Pouco diálogo, afastamento das agendas sociais. Tudo em nome do necessário foco na parte de infraestrutura. Eram discussões sobre a Taxa Selic, sobre obras gigantescas, mas índios morriam, terras eram tomadas, plano de lei de mídias engavetadas... E nenhum “Plano Real”. Dilma achava que apresentando as obras do PAC-2 seria suficiente. Não foram. Os serviços públicos eram terríveis, a própria Bolsa Família levou duro golpe, e o povo chego a acreditar que seria extinta! (será que pensariam isso se fosse o Lula presidente?). Sentia-se nos poros que algo havia mudado. Para piorar, a mídia deu tomatada no dragão da inflação e, o povo, desconfiado, franziu a sombrancelha.

José Eduardo Cardoso, Paulo Bernardo, Gleise Hoffman davam provas do distanciamento do governo e do PT das ruas. O PT ganhou em São Paulo, na capital, mas já com uma bomba armada, a desconfiança de que o PT, não mais era um partido com tanto apego ao povo e ao social. O aumento de 0,20 foi o estopim, em que pesem os menos de 6 meses de governo do Haddad, ele pagou pelo pato dos outros.

Dentro desse quadro todo, com a mídia fustigando, com desconfianças sobre a vontade politica do PT, surgiu um vácuo à esquerda, que o MPL acabou, sem querer, sugado. E aí tudo explodiu. Os jovens à esquerda sentiram que ‘têm que mudar” (Seja lá oq for), e os à direita concordaram (sim, tem que mudar, mas não necessariamente o ponto que a esquerda quer).

Espero que, tudo isso sirva para acordar o PT de sua letargia social, para ao invés de assustar, encorajar as necessárias mudanças, que lance bandeiras sociais, que o povo quer (não dá para fazer como FHC que sentou durante 8 anos no ‘sucesso’ do Plano Real, e ficar 8 anos sentado no sucesso dos projetos sociais do Lula, o povo quer mais, sentiu o gostinho de voltar a fazer parte, a classe média está aí, confusa, mas querendo mais). Financiamento público para partidos, lei de mídias, mais projetos de inclusão social, diálogo com os movimentos sociais poderão ser as respostas...

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